terça-feira, 30 de julho de 2019

Ensaios de amor.


Ela era uma velhinha que morava sozinha, em uma grande casa. Não tinha amigos porque, ao longo dos anos, ela os vira morrer, um a um.

Seu coração era um poço de saudade e de perdas. Por isso, ela decidira que nunca mais se ligaria afetivamente a ninguém.

E, para se lembrar que um dia tivera amigos, passara a chamar as coisas pelos nomes dos amigos que haviam morrido.

Sua cama se chamava Belinha. Era grande, sólida e confortável. Mesmo depois que ela se fosse, Belinha continuaria a existir.

A poltrona confortável da sala de visitas se chamava Frida. Haveria de durar muitos anos mais.

A casa se chamava glória. Tinha sido construída há mais de cem anos, mas não aparentava mais que vinte. Era feita de madeira muito forte, vigorosa.

E o carro, grande, espaçoso se chamava Beto. “haveria de servir”, pensava a velhinha, “para alguém, depois de sua morte.”

E assim vivia a velhinha solitária.

Certo dia, quando estava lavando a lama de Beto, um cachorrinho chegou no portão. O portão não tinha nome, porque ela achava que ele logo teria que ser substituído. Suas dobradiças estavam enferrujadas e a madeira apodrecida.

O animalzinho parecia estar com fome e ela tirou um pedaço de presunto da geladeira e o deu ao cão, mandando-o embora.

Porém, no dia seguinte, ele voltou. E no outro e no outro. Todos os dias, ele vinha, abanava o rabo e ela o alimentava, mandando-o embora.

Ela dizia que Belinha não comportava um adulto e um cachorro, que Frida não gostava que cães sentassem nela e glória não tolerava pelo de cachorro.

E Beto? Bom, esse fazia os cachorros passarem mal.

Um ano depois, o animal estava grande, bonito. E tudo continuava do mesmo jeito. Até que um dia ele não apareceu.

Ela ficou sentada na escada, esperando. No dia seguinte, também. Nada.

Resolveu telefonar para o canil da cidade e perguntar se eles tinham visto um cachorro marrom. Descobriu que eles tinham dezenas de cachorros marrons.

Quando perguntaram se ele estava usando coleira com o nome, ela se deu conta que nunca dera um nome para ele.

Sentou-se e ficou pensando no cachorro marrom que não tinha coleira com um nome. Onde quer que estivesse, ninguém saberia que ele tinha de vir todos os dias até seu portão para que ela lhe desse de comer.

Tomou uma decisão. Dirigiu Beto até o canil e falou para o encarregado que queria procurar o seu cachorro.

Quando ele lhe perguntou o nome do cachorro, ela se lembrou dos nomes de todos os amigos queridos aos quais havia sobrevivido.

Viu seus rostos sorridentes, lembrou-se de seus nomes e pensou em como fora abençoada por ter conhecido esses amigos.

“Sou uma velha sortuda”, pensou.

“O nome do meu cachorro é Sortudo”, disse.

E gritou, ao ver os cães no grande quintal: “aqui, Sortudo!”

Ao som da sua voz, o cachorro marrom veio correndo. Daquele dia em diante, Sortudo morou com a velhinha.

Beto parece que gostou de transportar o cachorro. Frida não se incomodou que ele sentasse nela. Glória não ligou para os pelos do cachorro.

E todas as noites Belinha faz questão de se esticar bem para que nela possam se acomodar um cachorro marrom Sortudo...e a velhinha que lhe deu o nome.

                                  *          *         *

Não temamos nos afeiçoar às pessoas. Ninguém consegue viver sem amor, sem amigos, sem ninguém.

Não nos enclausuremos em solidão, nem percamos a oportunidade extraordinária de amar.

Amemos a quem nos rodeia. Também à natureza e os animais, recordando que tudo é obra do excelente pai que nos criou.

terça-feira, 23 de julho de 2019

Arma poderosa.

O sábio Lavoisier afirmou que no mundo nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Isso aprendemos na escola e é exato.

O que temos observado, contudo, é que atualmente, as transformações estão sendo cada vez mais rápidas.

Recordam-nos os autores espirituais que, para construir a floresta, a natureza demora séculos sobre séculos, partindo das sementes simples até à grandiosidade das sequoias e a resistência do carvalho.

Para destruí-la basta a chispa de fogo, muitas vezes consequência do descuido e do descaso humanos.

Para construir um avião, equipe de técnicos primorosamente escolhidos associa os prodígios da inteligência, agindo em conjunto.

Todos os detalhes são pensados e revistos, na busca pela segurança e arrojo tecnológico.

Para destruir uma aeronave, é suficiente um erro de cálculo.

Para a edificação de uma cidade os homens empregam anos e anos de sacrifício. Constroem a escola, o hospital, os jardins, as casas. Cada detalhe é examinado e projetado para melhor servir às necessidades humanas.

Para destruí-la, suficiente se faz uma bomba.

Para construir são precisos amor e trabalho, estudo e competência, compreensão e serenidade, disciplina e devotamento.

Para destruir são suficientes golpes de martelo, um artefato explosivo, um fósforo esquecido.

Assim também acontece com a reputação de uma pessoa, que é resultado de anos de esforço e dedicação, em que demonstra, paulatinamente, seus valores e competência, seja no âmbito científico, social, religioso.

É o trabalho continuado que atesta a capacidade do trabalhador.

No entanto, o poder vigoroso de uma língua mal intencionada tem a capacidade de denegrir a imagem de pessoas íntegras e instituições nobres.

Tudo começa como um rastilho de pólvora, para estourar adiante, arrojando por terra anos de renúncias, dedicação, assistência.

Muito oportuno se meditássemos um pouco sobre essa arma mortal, que é a nossa língua, direcionando sua utilização para o bem, o bom, o belo.

Usar a língua de forma apropriada, construindo, é também demonstração de sabedoria.

                                                                *   *   *

Você sabia que certa vez um califa prendeu um de seus maiores inimigos?

Desejando dar um fim ao desafeto, pediu a opinião de seu melhor ministro.

O servidor, exemplificando como se pode utilizar as palavras com harmonia, argumentou:

Príncipe, se o matares, terás feito o que outros fazem. Se o perdoares, serás único.

Falar, edificando, é sinal dos que admitem Jesus como Mestre e O seguem.

Redação do Momento Espírita.

terça-feira, 16 de julho de 2019

A palavra da inocência.

Quase sempre acreditamos que as crianças não entendem o que acontece ao seu redor. Tomamos decisões, inclusive a respeito de suas próprias vidas, sem nos importar com seus sentimentos.

Assim acontece nas separações conjugais, em que se decide com quem ficarão os filhos. Assim é quando se decide mudar de residência e até mesmo quando se opta por transferi-los de uma para outra escola.

No entanto, as crianças estão atentas e percebem os acontecimentos muito mais do que possamos imaginar.

A jornalista Xiran que, apesar do regime de opressão e abandono que viveu na China, manteve um programa de rádio, em Nanquim, conta uma história singular, em seu livro As boas mulheres da China.

Havia uma jovem que se casou com um rapaz muito culto e de projeção política na China. Durante três anos, pelo seu status, ele foi estudar em Moscou.

Ela viveu anos de felicidade ao seu lado. Um casamento que foi abençoado com dois filhos. Era uma mulher de sorte, comentava-se.

Então, exatamente no momento em que o casal se alegrava com o nascimento do segundo filho, o marido teve um ataque cardíaco e morreu, repentinamente.

No final do ano seguinte, o filho mais novo morreu de escarlatina.

Com o sofrimento causado pela morte do marido e do filho, ela perdeu a coragem de viver.

Um dia, pegou o filho que restava e seguiu para a margem do rio Yang-Tsé. Seu intuito era se unir ao marido e ao bebê na outra vida.

Parada à beira do rio, ela se preparava para se despedir da vida, quando o filho perguntou, inocentemente:

Nós vamos ver o papai?

Ela levou um choque. Como é que uma criança de cinco anos podia saber o que ela pretendia fazer?

E perguntou: O que é que você acha?

Ele respondeu: É claro que vamos ver o papai! Mas eu não trouxe o meu carrinho de brinquedo para mostrar para ele!

Ela começou a chorar. Nada mais perguntou. Deu-se conta de que ele sabia muito bem o que ela pretendia.

Compreendia que o pai não estava no mesmo mundo que eles, embora não fizesse uma distinção muito clara entre a vida e a morte.

As lágrimas reavivaram nela o instinto materno e o senso de dever.

Tomou o filho no colo e, deixando a correnteza do rio levar a sua fraqueza, retornou para sua casa.

A mensagem de suicida que tinha escrito foi destruída.

Enquanto fazia o caminho de volta ao lar, o menino tornou a perguntar:

E então, não vamos ver o papai?

Procurando engolir o pranto, ela respondeu:

O papai está muito longe. Você é pequeno demais para ir até lá. A mamãe vai ajudá-lo a crescer, para que você possa levar para ele mais coisas. E coisas muito melhores.

Depois disso, ela fez tudo o que uma mãe sozinha pode fazer para dar ao filho o melhor.

                                                               *   *   *

As crianças não são tolas. E muito mais do que possamos imaginar permanecem atentas, em especial a tudo que lhes diga respeito.

Percebem os desentendimentos conjugais, as dificuldades domésticas, a ponto de ficar enfermas.

Por tudo isso, preste mais atenção ao seu filho. E, sobretudo, fale com ele sobre as dificuldades e sobre as soluções possíveis.

Não o deixe crescer ansioso e triste. Ajude-o a viver no mundo, seguro e firme.

Redação do Momento Espírita.

terça-feira, 9 de julho de 2019

A primeira prece.

Na madrugada, o homem, sequioso de aventuras, chegou ao deserto de Gila, no Novo México.

Estacionou o caminhão e iniciou a caminhada de trinta e dois quilômetros, para se encontrar em um acampamento, com seu grupo de alunos.

O verão era implacável e o sol ardia como fogo. O professor começou a sentir que as botas não eram as ideais para aquele clima. Parou, arejou os pés, colocou outras meias, acelerou o passo, reduziu a marcha. Nada funcionou.

Ao cair da noite, chegou ao acampamento. Os pés estavam uma chaga viva. Eram bolhas e machucados o que viu quando descalçou as botas.

Apesar de tudo nada comentou com ninguém.

Dialogou com os instrutores e com os garotos. A madrugada o surpreendeu em repouso.

Quando a manhã se fez clara, veio o alarme. Um dos garotos sumira.

O professor sentiu o peso da responsabilidade, antevendo as ameaças do deserto cruel que o menino iria enfrentar. Calçou as botas outra vez e teve a impressão de estar andando sobre vidro quente. Tropeçou, arrastou os pés. Tentou pensar em algo para se distrair, esquecer a dor. Tudo em vão.

A dor foi se tornando sempre maior, insuportável.

Finalmente, ele alcançou a trilha que saía de uns arbustos e seguiu direto ao rio que descia das montanhas, através de sombrios desfiladeiros.

Ao ver a água, colocou os pés calçados dentro dela. Esperava alívio mas a sensação foi de milhares de agulhadas perfurando-lhe as bolhas.

Deixou escapar um grito estridente do peito e se jogou na água, por inteiro. A dor aumentou.

Não havia solução. Ele não conseguia mais andar e onde se encontrava, com certeza demoraria dias para ser encontrado.

E o garoto? Era preciso encontrar o garoto.

Uma ideia tomou vulto em seu cérebro e ele começou a implorar, até sua voz ecoar num brado sempre mais alto:

Um cavalo. Por piedade. Preciso de um cavalo.

Depois, como um lamento, colocou toda sua alma na palavra seguinte:

Jesus!

E prosseguiu repetindo:

Jesus. Um cavalo. Jesus.

Era a primeira vez que orava.

Um cavalo apareceu. Era real. Não era alucinação. Ele o montou por toda a noite, até encontrar o garoto.

Cedo, dois vaqueiros procuraram o animal que lhes fugira, não saberiam eles dizer o porquê.

Mas o professor sabia. Sua prece fora ouvida e atendida. Por isso, emocionado, ali mesmo, pronunciou a segunda prece de sua vida: a prece da gratidão.

                                                                *   *   *

Você sabia que a oração deveria fazer parte de nossa vida?

Que orar jamais deveria ser nosso último recurso, mas o primeiro a ser buscado?

E que a prece movimenta profundas forças que concorrem para reverter quadros enfermiços, enquanto alimenta com novo vigor a esperança e restabelece o bom ânimo?

Redação do Momento Espírita.

terça-feira, 2 de julho de 2019

Autoeducação.

Não há, basicamente, em nenhum nível, uma outra educação que não seja a autoeducação.

Toda educação é autoeducação e nós, como professores e educadores, somos, em realidade, apenas o entorno da criança educando-se a si própria.

Devemos criar o mais propício ambiente para que a criança eduque-se junto a nós, da maneira como ela precisa educar-se por meio de seu destino interior.

                                                                        *   *   *

A lição trazida por Rudolph Steiner, importante educador, filósofo e artista, criador da Pedagogia Waldorf, exige nossa atenção e estudo aprofundados.

O processo da educação não ocorre de fora para dentro e nem de uma única via. Todos nós nos auto educamos juntos.

Assim, tanto a função dos pais, os primeiros educadores, como a dos professores, da escola, é proporcionar esse entorno rico, propício para que a criança se auto eduque.

Outro grande educador, Johann Heinrich Pestalozzi, acreditava que a escola deveria ser a extensão do lar, propiciando um ambiente familiar para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto.

Ao contrário de muitos dos seus contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente com o elogio da razão humana. Para ele, só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral.

Aí estaria então o ambiente propício para que a criança pudesse se educar junto ao educador.

Por fim, Allan Kardec, aluno de Pestalozzi, trará no âmago da obra espírita esse mesmo viés de pensamento.

Segundo ele, a educação que apresenta a chave do progresso moral não é a do intelecto e nem mesmo a educação moral pelos livros, mas aquela que consiste na arte de manejar os caracteres.

E caracteres, qualidades, tendências, não se manejam de fora para dentro. Ninguém deixa de ser orgulhoso, vaidoso porque leu em livros ou porque foi forçado por educadores.

Aliás, essa forma tradicional de lidar com as imperfeições da alma, escondendo-as ou mascarando-as, traz maiores problemas naqueles que desejamos modificar as más tendências ou os vícios.

Verdadeiramente, somente mudamos quando nos auto descobrimos. O auto descobrimento ou autoconhecimento é que propicia a autoeducação.

Dessa forma, educandos e educadores devemos mergulhar nesse processo rico de descoberta interior, um auxiliando o outro. Obviamente, o mais preparado, com maior experiência nas coisas da vida, terá condições de orientar o processo, de provocar a reflexão e proporcionar experimentações, vivências, que façam com que a autoeducação aconteça.

                                                                        *   *   *

Que se faça pela moral tanto quanto se faz pela inteligência e se verá que, se existem naturezas que se recusam a aceitá-las, há, mais do que se pensa, as que exigem apenas uma boa cultura para produzir bons frutos.

Eis o papel do educador, a boa cultura, o solo fértil, o entorno saudável para que a nova planta possa se desenvolver ou se autodesenvolver.

Redação do Momento Espírita.

Doe Sangue

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