quarta-feira, 19 de abril de 2017

A dor de cada um

Do canto onde se encontrava, o médico admirava a jovem, com discrição.

Ela trajava vestido claro, usava cabelo curto e seus olhos verdes coloriam o rosto sem maquiagem.

Tomava uma xícara de chá, no intervalo anterior ao segundo ato da ópera.

De repente, seu ar pensativo se transfigurou num sorriso que iluminou a sala.

Encantado por ela, o jovem médico somente percebeu o motivo da sua alegria quando um rapaz loiro chegou perto dela o suficiente para a beijar.

Naquele belo salão do Teatro da Ópera de Estocolmo, de paredes, teto e ornamentações reluzentes de ouro, Dráuzio observou o casal.

O rapaz trajava terno cinza-escuro, camisa branca de gola rulê. De corpo esguio e traços herdados dos ancestrais vikings, ele estava à altura da beleza da moça.

Parecia um casal de artistas de cinema.

Olhando-os, Dráuzio ficou a imaginar quanta diferença havia entre nascer num lugar sem gente pobre, como Estocolmo, e num bairro operário de São Paulo.

Se ele tivesse recebido a mesma educação e fosse tão bonito quanto aquele rapaz, será que sua vida teria sido mais fácil? Mais feliz?

Sozinho, no burburinho das pessoas bem-vestidas do salão de ouro, ele sentiu inveja.

Queria ter tido as mesmas oportunidades e ser bonito como aquele rapaz.

Claro, sem deixar de ser ele mesmo. Queria ter encarnado naquele corpo.

Queria poder usufruir do que ele tinha, naquele país culto, organizado, sem miséria por perto.

Quando acabou a ópera, ele voltou para o pequeno apartamento de hóspedes que o instituto médico, onde estagiava, lhe cedera.

Chovia e ele chegou com as meias ensopadas. Fazia frio.

Pensou em tomar um banho quente mas o chuveiro se negou a funcionar.

Agasalhou-se o mais que pôde e se sentou junto ao aparelho de calefação, sentindo saudades de sua casa e de sua mulher.

Poucos dias depois, ele teve nas mãos um prontuário grosso como uma lista telefônica. Tratava-se de um caso grave de câncer.

Há oito anos em tratamento, o portador tivera algumas melhoras. Agora, a doença se apresentava de uma forma mais agressiva.

Dráuzio concluiu que o único tratamento a tentar seria novo esquema de medicamentos. Ao menos, eles poderiam controlar a doença por algum tempo.

Era uma enfermidade incurável.

Quando a enfermeira abriu a porta, Dráuzio custou a acreditar: o doente era o rapaz bonito da ópera.

Como naquela noite, ele usava camisa de gola alta para ocultar os gânglios saltados e a cicatriz da biópsia.

*   *   *

No mundo de provas e expiações em que nos situamos, não há quem não tenha dores a suportar.

Enfermidades no lar, desemprego, abandono, dificuldades de relacionamento, cada qual tem seu cadinho de dor.

Ninguém está isento do sofrimento.

Ricos, pobres, potentados e anônimos, cada qual tem seu fardo a carregar.

Algumas são dores profundas e ocultas, que passam despercebidas até mesmo pelos familiares, por vezes.

Por isso é que o Mestre de Nazaré nos ensinou: No mundo só tereis aflições. Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis refrigério para vossas almas.

Redação do Momento Espírita, com base no cap. Inveja, do livro Por um fio, de Dráuzio Varella.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Coragem para amar

Será que, para amar, é necessário ter coragem? A pergunta, a princípio, parece sem propósito. Afinal, é tão natural amarmos aos nossos filhos, ao companheiro, à esposa, que longe está a necessidade de se ter coragem para isso.

Porém, e se mudarmos a pergunta: para aprender a amar, é necessário ter coragem? Será que precisamos de coragem para aprender a amar aqueles que ainda não amamos?

Conta-se que Madre Teresa de Calcutá, ao abandonar o convento, onde atuava como professora de jovens de famílias ricas, levou consigo apenas o hábito e as sandálias de religiosa, deixando tudo para trás.

Ao final de sua existência, tinha mais de quatrocentas casas erguidas pelo mundo, em nome do seu amor ao próximo, entre asilos, orfanatos, hospitais, escolas.

Certa feita, ao ser homenageada em uma solenidade, um dos convidados interpelou-a dizendo não saber como ela dispunha de coragem para fazer tudo o que fazia. E ela, tranquilamente, respondeu que não entendia como tantas cabeças coroadas tinham coragem de não fazer nada, frente a tanta miséria no mundo.

Albert Schweitzer era um jovem músico, consagrado nas mais famosas salas de concerto europeias, quando decidiu abandonar a carreira musical e cursar medicina.

Sonhava ele ajudar o próximo e elegeu a carreira médica como ferramenta de auxílio.

Deixou o conforto da fama e do reconhecimento ao seu talento musical para começar uma nova vida. Ao se formar, foi trabalhar no coração da África, numa região isolada e sem recursos.

Ao final de sua existência, havia sido reconhecido com um prêmio Nobel da Paz, e, em uma região onde nada havia, construiu um hospital que se expandira para mais de setenta prédios, com quinhentos leitos para internamento.

Não são poucos os exemplos que encontramos de pessoas que, com coragem, optam por amar àqueles que ainda não amam.

Jesus nos alerta que amar àqueles que nos são caros, até os maus o fazem. Porém é necessário ir além. É necessário aprender a amar àqueles que ainda temos dificuldades em amar, que ainda não aprendemos a amar.

Para esses, é necessário armar-se de coragem. Pois o amor ao próximo exige dedicação, esquecimento do orgulho, da vaidade, da presunção.

Podemos não ter a estrutura moral ou a coragem de Madre Teresa e de Albert Schweitzer, que deixaram marcas permanentes na História da Humanidade.

Mas já podemos deixar marcada a nossa presença, se nos decidirmos a amar ao próximo.

Podemos começar com o parente difícil, sempre disposto a fazer comentários e insinuações maldosas. Ou ainda com aquele vizinho sempre pronto a uma nova provocação.

Outras tantas vezes aprender a amar pode vir através da paciência que desenvolvemos diante das limitações de quem ainda não tem as mesmas capacidades que nós.

Ou que se mostra arrogante e pretensioso, com falsas capacidades que não possui.

Não há verdadeiramente um dia em nossa vida, onde não surja a oportunidade de aprender a amar.

Aprendamos com Jesus, Mestre Maior de todos nós, que não devemos nos contentar com o amor na intimidade do lar ou no relacionamento a dois.

Que possamos, a cada dia, armarmo-nos de coragem e exercitar o sentimento do amor ao próximo, na oportunidade que a vida nos oferecer.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Alcançando metas

Conta-se que, quando o benfeitor espiritual Emmanuel se apresentou a Francisco Cândido Xavier, propondo-lhe as linhas gerais do trabalho que juntos haveriam de empreender, lhe disse que ele tinha a incumbência de escrever, mediunicamente, trinta livros.

Quando a marca foi alcançada, Chico reportou-se ao Espírito amigo, dizendo-lhe que estava feliz por ter cumprido a meta. A resposta foi de que agora teria início uma segunda etapa, de mais trinta livros.

Em janeiro de 1959, os sessenta livros estavam publicados. Chico se preparava para mudar de residência para outra cidade e, com alegria, constatou que cumprira o estabelecido.

Então, o benfeitor espiritual explicou, com paciência: Você perguntou se a nossa tarefa estava completa. Quero informar que os mentores da Vida Maior, perante os quais devo também estar disciplinado, me advertiram que nos cabe chegar ao limite de cem livros.

Chico entendeu, naquele momento, que deveria produzir e produzir, até o final de sua vida.

Pela sua abençoada faculdade mediúnica, vieram a lume mais de quatro centenas de obras. Dessas, em torno de cento e dez somente de autoria do Espírito Emmanuel.

Interessante a forma como o benfeitor foi estabelecendo metas menores, objetivando alcançar uma meta maior.

Não lhe disse, logo de início, a enorme quantidade de livros que deveria produzir. Isso poderia, eventualmente, ter assustado o jovem médium.

Seguindo mais ou menos essa linha, uma terapeuta, depois de ler um artigo científico de psicólogos americanos, a respeito dos benefícios da gratidão, propôs um desafio para si mesma: ficar durante vinte e um dias sem reclamar de coisa alguma.

Seria um período ininterrupto de gratidão. Todos os dias ela exercitaria o sentimento. Todas as noites, antes de dormir, dedicaria alguns momentos para refletir como tinha sido o seu dia, o que havia acontecido para se sentir grata.

E, mesmo que os acontecimentos não tivessem sucedido exatamente como ela havia planejado ou quisesse, evitaria reclamar. Somente agradeceria.

Os dias foram passando. A experiência conferindo-lhe bons resultados e um grande bem-estar.

Vencida essa etapa, ela se propôs uma meta de cem dias de gratidão que, alcançados, evoluíram para trezentos.

Ambos os exemplos atestam que, quando desejamos alcançar um propósito elevado que, eventualmente, nos possa atemorizar pela grandiosidade, se estabelecermos metas menores a serem alcançadas em períodos não muito longos, obteremos êxito.

O alpinista que deseja vencer a montanha imponente, em sua altura, começa por estabelecer quantos metros subirá por dia.

O alcoolista, no anseio da sua libertação, estipula: Somente hoje não beberei.

Amanhã, repetirá a questão e, sucessivamente, até a libertação total do vício.

Tudo é assim na vida. Viver é vencer cada hora, cada dia, cada semana, cada mês.

Um ano é uma etapa vencida. Cada aniversário é a comemoração da vitória de se ter vivido mais trezentos e sessenta e cinco dias.

Pensemos nisso e não temamos investir o pouco no muito. A caminhada começa com o primeiro passo.

Doe Sangue

Doe Sangue